Usualmente questionam-me com algumas dúvidas a respeito do mecanismo do sono: «dormir 4h por dia faz mal?», «Não me lembro dos sonhos, isso quer dizer alguma coisa?», «Às vezes acordo com a sensação de estar a ser esmagado contra a cama, é assustador...», «É normal sonhar e saber que se está a sonhar?».
Pegando nalgumas dessas dúvidas, decidi dar lugar ao mundo dos sonhos neste post, tentando explicar como funciona o mecanismo normativo do sono e, posteriormente, esclarecer algumas destas dúvidas.
Entendendo o Mecanismo do Sono
O período do sono é dividido, essencialmente, em 4 fases ou etapas, como se pode verificar na figura que se segue.
Após nos deitarmos e fecharmos os olhos, preparando-mo-nos para dormir, somos invadidos por ondas alfa que nos preparam para o período de sono. Quando adormecemos, entramos, então, num período de Fase 1 do sono que é caracterizada por apresentar sinais de alta frequência e baixa voltagem semelhante, porém mais lento, do que o estado de vigília (acordado).
À medida que vamos avançando da Fase 1 para as Fases 2,3 e 4, verifica-se um aumento de voltagem e uma baixa frequência cerebral. Assim, a Fase 2 apresenta uma amplitude um pouco maior e uma frequência menor que a Fase 1. Com a entrada na Fase 3 verifica-se a presença ocasional de ondas delta (as maiores e mais lentas), sendo que a Fase 4 é definida apenas por estas mesmas ondas (entramos no sono profundo).
Quando antigimos a Fase 4 do sono, permanecemos por um tempo nessa condição e voltamos, em seguida, para o sono da Fase 1. Todavia, esta Fase 1 não é igual à verificada pela primeira vez. A partir do segundo ciclo, a entrada nesta fase é acompanhado por movimentos rápidos dos olhos (o chamado sono REM) e por uma perda do tónus muscular do corpo (aquela visão por vezes cómica que vemos na pessoa que está ao nosso lado a dormir e com espasmos). Cada ciclo do sono (de uma Fase 1 a Fase 4) dura, sensivelmente, 90 minutos, sendo que uma grande porção deste tempo é passado na Fase 1 (como se pode ver no gráfico)
Sono e Sonhos
Antes de mais, sonhamos em todas as fases do sono. Contudo, lembramo-nos com mais detalhe dos sonhos associados à fase REM (fase 1). Ou seja, enquanto os sonhos nas fases Não-REM (2,3,4) giram muito em torno de experiências indíviduais («sonhei que caí»), nos sonhos REM somos capazes de contar uma história mais completa («sonhei que estava a passear, encontrei um amigo e ficámos à conversa»).
Curiosidades sobre o Sono e os Sonhos
- Estímulos externos podem ser incorporados nos sonhos (por exemplo, ao adormecermos numa noite tempestuosa, podemos sonhar com explosões).
- Algumas pessoas afirmam que nunca sonham ou raramente sonham. Contudo, apresentam um sono REM à semelhança das pessoas que dizem que sonham muito. Se forem acordados na Fase REM, conseguem relatar os sonhos.
- Erecções penianas não estão relacionadas com sonhos de conteúdo sexual, uma vez que bebés apresentam o mesmo tipo de erecções nocturnas. Existem duas hipóteses aceites para este fenómeno: circulação sanguínea por parte do corpo para manter o órgão irrigado ou acumulação de urina na bexiga, provocando um estímulo nervoso reflexo que favorece a erecção (esta última é a mais aceite).
- Sonambulismo e sonhos: a maioria das pessoas acredita que o sonambulismo ocorre enquanto sonhamos, o que não corresponde à realidade. Esta condição é vísivel com mais frequência na última fase do sono, a Fase 4.
- Se não sabem porque é que nos custa tanto levantar de manhã, eis a resposta: Cortisol, a anestesia humana. Actua no nosso corpo a partir das 7h da manhã e provoca em nós uma sensação de relaxamento muscular. Daí que ao acordarmos nos apeteça tudo, menos levantar.
- Porque é que dormimos? Existem duas teorias explicativas deste nosso comportamento:
A) Teorias da Recuperação do Sono: estar acordado perturba a estabilidade fisiológica interna do corpo. O sono apresenta, assim, uma função de recuperação e de recarga das energias.
B) Teorias Circadianas do Sono: tem uma base evolucionista, ao defender que os humanos são programados para dormir à noite independentemente do que nos acontecer durante o dia. Segundo estas teorias, evoluímos para dormir porque o sono protege-nos de acidentes e de predadores nocturnos.
Análise Comparada do Sono
Quando comparadas as horas de sono com outros mamíferos, surge uma questão importante no que nos toca a nós, humanos: Será mesmo necessário dormir as 8h? Uma investigação com diversos animais verificou a seguinte distribuição de horas de sono por dia: Preguiça Gigante - 20h; Gato - 14h; Macaco - 9h; Cavalo - 2h. Foram encontrados com muitos mais animais, mas tentei ir aos extremos para depreender dois aspectos essenciais: primeiro o sono não é uma função superior exclusiva do ser humano, segundo não parece existir um número de horas médio para os mamíferos. Será, então, necessário dormir as 8h recomendadas?
Para isso, vamos recordar o caso famoso de Leonardo Da Vinci. O pintor italiano adoptou um sono polifásico que consistia na seguinte redistribuição: dormir 15 minutos em cada 4 horas, limitando, assim, o seu tempo de sono a 1,5h por dia. Em diversas experiências com humanos que tentaram adoptar este sistema de sono polifásico, os resultados foram surpreendentes e consistentes:
a) Antes de tudo, é necessário um longo periodo de adaptação a este ciclo, de cerca de 2 a 3 semanas.
b) Os individuos sujeitos à experiência mostraram-se satisfeitos e não evidenciaram danos em testes de desempenho.
c) Inicialmente, estes invidíviduos só apresentavam sono de ondas lentas, contudo, com o passar do tempo retomaram as proporções relativais usuais de sono REM e sono de ondas lentas.
Uma das conclusões deste e outros estudos similares foi que a privaçao de sono em humanos é que indivíduos impedidos de dormir passam a fazê-lo de forma mais eficiente no horário estipulado. Assim, em vez de demoraram mais tempo a entrarem no sono profundo ao dormirem 8h, com as 4 ou 5h diárias, entram mais facilmente nessa fase. Contudo, este sono, como foi referido, exige hábito.
O Sono e o (Para)normal
Diversas são as histórias que vulgarmente somos confrontados, ainda hoje, sobre experiências fora do corpo, ou a sensação de estarmos a ser esmagados por espíritos durante a noite. Para acabar este post em beleza, vou destroçar os corações dos mais crentes...
Os Espíritos: Paralisia do Sono é o nome do fenómeno que muitos retratam quando acordam, a meio do sono, enquanto o bloqueio do impulso motor ainda está activo. Estando o bloqueio motor activo, a pessoa não se consegue mover e experiencia uma sensação assustadora de estar a ser empurrada para baixo, como se «espíritos estivessem em cima dela».
A Alma Fora do Corpo: Esta sensação de termos a alma a sair do corpo, ocorre pela situação inversa à apresentada em cima. Ou seja, experiênciamos esta sensação quando estamos acordados e os nervos motores começam a ser bloqueados, preparando-nos para o período de sono. Assim, temos a sensação de um formigueiro e de uma leve levitação. É tudo cérebro meus caros.
por fim...
Os Sonhos lúcidos ocorrem quando os lobos frontais (responsáveis pela nossa consciência, mediação de impulsos sociais, funções superiores, racionalidade) acordam durante o sono mas o bloqueio de sinais de entrada e de saída permanecem. Como os lobos frontais estão activos, conseguimos deduzir que, realmente, estamos a sonhar.