sexta-feira, 18 de março de 2011

O Passado Existe? Uma reflexão...


"Só se cresce e progride quando o passado é história e o futuro uma incógnita".


Este "artigo" nasceu desta frase. Digo "artigo" porque de cientifico não tem nada, o que vou aqui expor não mais do que um momento de reflexão pessoal. Digo nasceu porque, de facto, desenvolveu-se no decorrer de uma discussão trivial do que é o passado.

A questão que predominou em toda a discussão foi, efectivamente, o que é o passado? É apenas pensamento? É apenas construção social? Que tipo de pensamentos? Emotivos? Que tipo de construção? Relaciona-se ao psiquismo humano? Que relação? Eis o meu vómito reflectivo...

Não creio na existência de um passado contemplado exclusivamente como um pensamento, independentemente de ter ou não a carga simbólica e emotiva que muitos vangloriam. A meu ver, e isto apenas numa reflexão pessoal, o passado é a base do nosso psiquismo, a sustentação de um presente que se espelha num futuro incerto, assombrado pelos fantasmas de um passado reprimido num momento desorganizado a que muitos chamam "hoje". 

Posteriomente a uma cogitação sobre o que é o passado e quais as implicâncias que tal conceito manifesta num presente que se transporta para um futuro, teorizei da seguinte forma toda essa evolução:

O passado pode ser encarado como o ID (ver post sobre Cisne Negro) da humanidade, é o aglomerado de pensamentos, desejos e fantasias que se foram adquirindo ao longo da nossa vivência que se vão tentando exprimir no nosso presente (EGO Humano). Contudo, como tudo na vida, este processo não é facilitado. É esmagado, é castrado por um futuro que teme em ser catastrófico (SUPEREGO), que tem a  carga moral suficiente para nos impedir de cairmos na falésia angustiante do desespero existencial do "hoje".

Enquanto escrevo isto, ocorre-me um novo insight… esta luta entre passado presente e futuro espelha-se num conflito edipiano da frustração humana… entre um Objecto, um Desejo e algo que impede a realização desse desejo. Isto é, em casos mais psicopatologiziantes (tenho o hábito neologizar, perdoem-me os leitores) o Eu (presente) tenta alcançar o Desejo de vivenciar o Passado, contudo a ameaça de um futuro agonizante que assume o Nome-do-Pai Lacaniano, insiste em cortar essa ligação, direccionando a pessoa para a via normativa. Quando o Nome-do-Pai não se impõe, a pessoa abandona a preocupação da construção de um futuro saudável, ficando presa na simbiose Passado-Presente, tal como a criança psicopatizada fica restrita à relação fusional (esquizoparanóide se preferirem) mãe-filho, não introjectando as leis paternas e sociais.

Se o passado é apenas pensamento não posso validar nem refutar na sua totalidade, é uma questão deveras complexa para alguém assumir qualquer posição extremista. Todavia, a meu ver, a existência humana que incorpora esses conceitos temporais de passado-presente-futuro, encontra-se circunscrita à triangulação edípica-base com que nos defrontamos no decorrer da nossa vida: Mãe-Pai-Criança, Eu-Pais-Outro, Eu-Outro-Companheiro, Objecto-Desejo-Proibição...

Acusem-me de pensamento psicanalítico radical, mas são estes orgasmos intelectuais que me estimulam a capacidade de percepcionar a realidade externa em cada ângulo, em cada prisma, em cada presença de ausência de radicalismos, em cada ausência de presença de dicotismos. 


terça-feira, 15 de março de 2011

Do Sono aos Sonhos: Experiências (Para) Normais

Usualmente questionam-me com algumas dúvidas a respeito do mecanismo do sono: «dormir 4h por dia faz mal?»,  «Não me lembro dos sonhos, isso quer dizer alguma coisa?», «Às vezes acordo com a sensação de estar a ser esmagado contra a cama, é assustador...», «É normal sonhar e saber que se está a sonhar?».

Pegando nalgumas dessas dúvidas, decidi dar lugar ao mundo dos sonhos neste post, tentando explicar como funciona o mecanismo normativo do sono e, posteriormente, esclarecer algumas destas dúvidas.


Entendendo o Mecanismo do Sono

O período do sono é dividido, essencialmente, em 4 fases ou etapas, como se pode verificar na figura que se segue. 


Após nos deitarmos e fecharmos os olhos, preparando-mo-nos para dormir, somos invadidos por ondas alfa que nos preparam para o período de sono. Quando adormecemos, entramos, então, num período de Fase 1 do sono que é caracterizada por apresentar sinais de alta frequência e baixa voltagem semelhante, porém mais lento, do que o estado de vigília (acordado). 

À medida que vamos avançando da Fase 1 para as Fases 2,3 e 4, verifica-se um aumento de voltagem e uma baixa frequência cerebral. Assim, a Fase 2 apresenta uma amplitude um pouco maior e uma frequência menor que a Fase 1. Com a entrada na Fase 3 verifica-se a presença ocasional de ondas delta (as maiores e mais lentas), sendo que a Fase 4 é definida apenas por estas mesmas ondas (entramos no sono profundo). 

Quando antigimos a Fase 4 do sono, permanecemos por um tempo nessa condição e voltamos, em seguida, para o sono da Fase 1. Todavia, esta Fase 1 não é igual à verificada pela primeira vez. A partir do segundo ciclo, a entrada nesta fase é acompanhado por movimentos rápidos dos olhos (o chamado sono REM) e por uma perda do tónus muscular do corpo (aquela visão por vezes cómica que vemos na pessoa que está ao nosso lado a dormir e com espasmos). Cada ciclo do sono (de uma Fase 1 a Fase 4) dura, sensivelmente, 90 minutos, sendo que uma grande porção deste tempo é passado na Fase 1 (como se pode ver no gráfico)

Sono e Sonhos

Antes de mais, sonhamos em todas as fases do sono. Contudo, lembramo-nos com mais detalhe dos sonhos associados à fase REM (fase 1). Ou seja, enquanto os sonhos nas fases Não-REM (2,3,4) giram muito em torno de experiências indíviduais («sonhei que caí»), nos sonhos REM somos capazes de contar uma história mais completa («sonhei que estava a passear, encontrei um amigo e ficámos à conversa»).


Curiosidades sobre o Sono e os Sonhos


- Estímulos externos podem ser incorporados nos sonhos (por exemplo, ao adormecermos numa noite tempestuosa, podemos sonhar com explosões).
-  Algumas pessoas afirmam que nunca sonham ou raramente sonham. Contudo, apresentam um sono REM à semelhança das pessoas que dizem que sonham muito. Se forem acordados na Fase REM, conseguem relatar os sonhos.
-  Erecções penianas não estão relacionadas com sonhos de conteúdo sexual, uma vez que bebés apresentam o mesmo tipo de erecções nocturnas. Existem duas hipóteses aceites para este fenómeno: circulação sanguínea por parte do corpo para manter o órgão irrigado ou acumulação de urina na bexiga, provocando um estímulo nervoso reflexo que favorece a erecção (esta última é a mais aceite).
-  Sonambulismo e sonhos: a maioria das pessoas acredita que o sonambulismo ocorre enquanto sonhamos, o que não corresponde à realidade. Esta condição é vísivel com mais frequência na última fase do sono, a Fase 4.
-  Se não sabem porque é que nos custa tanto levantar de manhã, eis a resposta: Cortisol, a anestesia humana. Actua no nosso corpo a partir das 7h da manhã e provoca em nós uma sensação de relaxamento muscular. Daí que ao acordarmos nos apeteça tudo, menos levantar.
- Porque é que dormimos?  Existem duas teorias explicativas deste nosso comportamento:
A) Teorias da Recuperação do Sono: estar acordado perturba a estabilidade fisiológica interna do corpo. O sono apresenta, assim, uma função de recuperação e de recarga das energias.
B) Teorias Circadianas do Sono: tem uma base evolucionista, ao defender que os humanos são programados para dormir à noite independentemente do que nos acontecer durante o dia. Segundo estas teorias, evoluímos para dormir porque o sono protege-nos de acidentes e de predadores nocturnos.

Análise Comparada do Sono

Quando comparadas as horas de sono com outros mamíferos, surge uma questão importante no que nos toca a nós, humanos: Será mesmo necessário dormir as 8h? Uma investigação com diversos animais verificou a seguinte distribuição de horas de sono por dia: Preguiça Gigante - 20h;  Gato - 14h; Macaco - 9h;  Cavalo - 2h. Foram encontrados com muitos mais animais, mas tentei ir aos extremos para depreender dois aspectos essenciais: primeiro o sono não é uma função superior exclusiva do ser humano, segundo não parece existir um número de horas médio para os mamíferos. Será, então, necessário dormir as 8h recomendadas?

Para isso, vamos recordar o caso famoso de Leonardo Da Vinci. O pintor italiano adoptou um sono polifásico que consistia na seguinte redistribuição: dormir 15 minutos em cada 4 horas, limitando, assim, o seu tempo de sono a 1,5h por dia. Em diversas experiências com humanos que tentaram adoptar este sistema de sono polifásico, os resultados foram surpreendentes e consistentes:
a) Antes de tudo, é necessário um longo periodo de adaptação a este ciclo, de cerca de 2 a 3 semanas.
b) Os individuos sujeitos à experiência mostraram-se satisfeitos e não evidenciaram danos em testes de desempenho.
c) Inicialmente, estes invidíviduos só apresentavam sono de ondas lentas, contudo, com o passar do tempo retomaram as proporções relativais usuais de sono REM e sono de ondas lentas.

Uma das conclusões deste e outros estudos similares foi que a privaçao de sono em humanos é que indivíduos impedidos de dormir passam a fazê-lo de forma mais eficiente no horário estipulado. Assim, em vez de demoraram mais tempo a entrarem no sono profundo ao dormirem 8h, com as 4 ou 5h diárias, entram mais facilmente nessa fase. Contudo, este sono, como foi referido, exige hábito.


O Sono e o (Para)normal

Diversas são as histórias que vulgarmente somos confrontados, ainda hoje, sobre experiências fora do corpo, ou a sensação de estarmos a ser esmagados por espíritos durante a noite. Para acabar este post em beleza, vou destroçar os corações dos mais crentes...

Os Espíritos: Paralisia do Sono é o nome do fenómeno que muitos retratam quando acordam, a meio do sono, enquanto o bloqueio do impulso motor ainda está activo. Estando o bloqueio motor activo, a pessoa não se consegue mover e experiencia uma sensação assustadora de estar a ser empurrada para baixo, como se «espíritos estivessem em cima dela».

A Alma Fora do Corpo: Esta sensação de termos a alma a sair do corpo, ocorre pela situação inversa à apresentada em cima. Ou seja, experiênciamos esta sensação quando estamos acordados e os nervos motores começam a ser bloqueados, preparando-nos para o período de sono. Assim, temos a sensação de um formigueiro e de uma leve levitação. É tudo cérebro meus caros.

por fim... 

Os Sonhos lúcidos ocorrem quando os lobos frontais (responsáveis pela nossa consciência, mediação de impulsos sociais, funções superiores, racionalidade) acordam durante o sono mas o bloqueio de sinais de entrada e de saída permanecem. Como os lobos frontais estão activos, conseguimos deduzir que, realmente, estamos a sonhar. 

terça-feira, 1 de março de 2011

E o Óscar vai para...

"A perfeição não é apenas controlo. É também sobre o desapego. Surpreenda-se para que possa surpreender o público. Transcendência. Muito poucos têm isso neles. "


O Filme

Nina Sayers  é bailarina de uma companhia nova-iorquina de balé. A sua vida, como a de todos nessa profissão, é inteiramente consumida pela dança. Ela mora com a mãe, Erica, bailarina aposentada que incentiva a ambição profissional da filha. O diretor artístico da companhia, Thomas Leroy decide substituir a bailarina principal, Beth MacIntyre, na apresentação de abertura da temporada, O Lago dos Cisnes, e Nina é a sua primeira escolha. Mas surge uma concorrente: a nova bailarina, Lily que deixa Thomas impressionado. 

O Lago dos Cisnes requer uma bailarina capaz de interpretar tanto o Cisne Branco com inocência e graça, quanto o Cisne Negro, que representa malícia e sensualidade. Nina encaixa-se perfeitamente no papel do Cisne Branco, porém Lily é a própria personificação do Cisne Negro. As duas desenvolvem uma amizade conflituosa, cheia de rivalidade, e Nina começa a entrar em contacto com o seu lado mais sombrio...

Fonte - Wikipédia.

Abram-se as cortinas...  

No decorrer desta produção cinematográfica, percebe-se a existência de duas Faces de cada um de nós, de dois Cisnes – O Cisne Branco (o nosso lado mais puro, mais apelativo) e o Cisne Negro (que representa os nossos fantasmas e as nossas profundezas) – e Nina veio ao mundo para vestir, decididamente, a pele do Cisne Branco. Filha única de uma mãe frustrada e completamente castradora que lhe controla toda a vida, apresenta uma relação com o mundo da sexualidade de caris infantil, imaturo, arcaico, verificando-se uma simbiose (uma dependência) total pela figura materna.

O Pai de Nina é desconhecido, ausente, não sendo mencionado no decorrer do filme, dando a ideia ao espectador de uma relação exclusiva e dedicada entre mãe-filha, onde o controlo e a obsessão são o padrão predominante (prestem atenção à figura do brinquedo-bailarina que fica na mesinha-de-cabeceira de Nina a tocar como símbolo de controlo mental). Como já foi discutido em posts anteriores, esta ausência do pai (que tem o papel de quebrar a relação simbiótica mãe-filho) não permitiu a Nina uma resolução do Complexo de Édipo na idade adequada, tendo recorrido à projecção da figura paterna no seu professor Thomas Leroy, a quem tenta agradar obsessivamente (como se o tentasse seduzir fugazmente para compensar a presença da sua ausência na idade onde essa mesma ausência se mais presenciou (confuso? Adiante…).

Toda a procura obsessiva tanto pela sedução do Pai (Nome-Do-Pai) como pela busca da perfeição como bailarina, circunscreve-se à sintomatologia neurótica (única) que a protagonista padece, sendo os demais de caris psicótico onde existe uma fragmentação do Eu, resultante da relação dependente da mãe (para perturbar o desenvolvimento de uma criança, uma mãe não necessita de ser cruel e mal-tratante… criar uma excessiva dependência e controlo para com o filho, terá os mesmos efeitos nocivos como é retratado neste filme). O que é isto da Fragmentação do Eu? É o que já foi falado no post relativo à personagem Dorian Gray – é ver o Mundo Externo ora como Bom ora como Mau (comportamento predominante nos psicóticos), não havendo integração desta informação. Simplificando, o individuo não consegue reconhecer que uma pessoa pode ser boa e má ao mesmo tempo, as duas facetas fazem parte do ser humano. Não compreendendo isto, quando o Outro é frustrante é categorizado como Mau, Cruel, Vil, contudo, quando é gratificado é categorizado como Bom, Prazeroso, Magnífico (pensem nos sentimentos presentes nos inícios do namoro e nos finais de namoro).


Esta dualidade Cisne Branco-Cisne Negro pode ser vista, igualmente, através da Segunda Tópica de Freud – Id, Ego, Superego. Sendo muito simplista para não complicar, o Id representa os nossos desejos, as nossas necessidades (quando nascemos somos apenas Id), o Superego representa a nossa consciência moral (o que nos faz sentir culpado numa determinada situação) e o Ego é o nosso Eu, a nossa consciência. O que se verifica neste filme é que para a protagonista existe um Id (Cisne Negro, que representa os desejos mais profundos, o nosso lado mais obscuro) e um Superego (o Cisne Branco que representa o controlo castrador da mãe para que Nina seja uma bailarina perfeita)… contudo, devido a esse Superego punitivo, não se verifica a existência de um Ego organizado, onde entramos, assim, no mundo da psicose.

Toda essa clivagem entre Bom / Mau, Id/Superego, Preto/Branco é observável em todo o filme, nas personagens (Nina de Branco, Mãe de Preto) e nos cenários. Verifica-se, igualmente, a presença de um símbolo rico em psicanálise e que já foi abordado neste espaço… o Espelho, como símbolo unificador do Eu (teoria de Lacan sobre o Estágio do Espelho), mas que para Nina espelha os seus fantasmas, o seu Id.

A entrada da personagem Lilly também é fulcral neste enredo pois serve de objecto onde Nina irá projectar o seu ódio pela mãe, sendo agora Lily a figura vestida de preto, o Cisne Negro perfeito, atraente, sem culpas. Contudo toda esta pressão do Superego (mãe) para que Nina mantenha-se na pele do Cisne Branco e não liberte o Cisne Negro (o seu Id) começa enfraquecer e numa altura do filme vemos Nina com feridas nas costas onde as penas pretas começam a surgir (rompimento na simbiose mãe-filha).

A partir daí, delírios e paranóias são experienciadas por Nina para marcarar a inveja do Outro, Outro este que tem o que ela deseja, que conseguem controlar o seu Id, e mantém uma estrutura do Ego estabilizada. Para além disso, verificamos que a sexualidade de Nina mantém um papel de destaque no enredo… Primariamente, o conceito de masturbação onde a sexualidade ainda é muito infantil, não sendo capaz ainda de direccioná-la para o outro, ficando muito ainda no plano auto-erótico. Secundáriamente, temos a cena de amor entre Nina e Lily onde esta última tem tatuada nas costas as asas negras do Cisne, colocando-se a hipótese de uma entrega total de Nina para com o seu Id...

Um filme surpreendente e que valeu a Natalie Portman um Óscar para melhor Actriz. 
Recomendo vivamente a quem ainda não viu.


"Eu sabia que o Cisne Branco não seria um problema. O verdadeiro trabalho seria a sua metamorfose na sua irmã gémea do Mal"