quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Introdução às Perturbações da Personalidade


A palavra personalidade tem étimo latino, derivando de “persona”, que significa máscara de actor. O termo, no entanto, ao longo da sua evolução, foi adquirindo sentidos múltiplos.

Nos escritos de Cicero, é usado com, pelo menos, quatro sentidos, todos eles relacionados com teatro: a personalidade como um conjunto de características pessoais do actor, que representam o que a pessoa realmente é; a personalidade, vista como a forma pela qual a pessoa aparece aos outros e não como realmente é e, neste sentido, equivale à máscara; o papel que a pessoa representa na vida, tal como o personagem num drama; a personalidade, encarada como um conjunto de qualidades indicativas da distinção e dignidade, que fazem do actor uma ‘estrela’ (Allport, 1937).

Actualmente, a “personalidade pode ser definida de forma a englobar praticamente todos os aspectos da vida e experiência humana” (Heatherton & Nichols, 1994, p.4)

É somente quando as características de personalidade são inflexíveis e inadaptadas, e causam, tanto comprometimento funcional significativo como sofrimento subjectivo, que elas constituem uma Perturbação da Personalidade.

Percurso Histórico

I) Pinel (1809) – identifica uma categoria – a mania sem delírio. Tal teve grande importância, uma vez que, até a altura, a psicopatologia dividia-se apenas em neuroses e psicoses.

II) Pritchard (1837) – Chama a atenção para as perturbações categoriais, publicando um livro – Análise do Carácter, em que alerta para o facto dos traços caracteriais funcionarem como resistência. Diz dos traços que são muito rígidos (armadura caracterial), tendo de ser derrubados.


III) Schneider (1934) – descreve as perturbações psicopáticas, que actualmente correspondem às perturbações da personalidade

Aspectos Clínicos que se aplicam a todas as Perturbações da Personalidade

I) Situam-se entre as psicoses e as neuroses, mas noutro plano (não sintomático). As pessoas com perturbações da personalidade estão dentro da realidade, como os neuróticos (não há actividade delirante), mas, tal como os psicóticos, não reconhecem a patologia.

II) Resposta inflexível, não adaptada ao stress.

III) A capacidade de amar e trabalhar está geralmente afectada, já que têm dificuldades no relacionamento interpessoal.

IV) Há tendência para conflitos interpessoais e para provocar rejeição nos outros.

V) Não aprendem com os erros e o sofrimento psíquico é aceite como imutável.

VI) Os traços caracteriais são
       a) Aloplásticos – porque se reflectem nos outros
       b) Egossintónicos – dificuldade no reconhecimento da patologia

VII) Os traços mais patológicos têm tendência a diminuir com a idade


Diagnóstico Diferencial


Aquando a confrontação com perturbações da personalidade, é relevante perceber se a perturbação da personalidade acontece antes ou depois do consumo de substâncias (alcoolismo, opiáceos, etc.) ou, ainda, se é fruto de simulação por parte do sujeito (por exemplo, com objectivo de alegar insanidade perante uma avaliação médico-legal)


Em traços muito gerais, as características de cada uma das perturbações podem ser descritas da seguinte maneira:

Grupo A
P. Paranóide: desconfiança e suspeita em relação aos outros
P. Esquizóide: indiferença face às relações sociais e restrição da expressão emocional
P. Esquizotípica: relações interpessoais íntimas nulas, condutas excêntricas

Grupo B
P. Anti-Social: desrespeito e violação do direito dos outros
P. Borderline: instabilidade nas relações interpessoais e na auto-imagem
P. Histriónica: emocionalidade exagerada e procura constante de atenção por parte dos outros
P. Narcísica: grandeza, necessidade de admiração

Grupo C
P. Evitante: inibição social
P. Dependente: conduta de dependência e submissão
P. Obsessivo-Compulsivo: preocupação com ordem, controlo

Nos futuros posts dissecar-se-á, com mais detalhe, as perturbações apresentadas.


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Despertar da Bela Adormecida: Notas sobre a Adolescência (I)


Neste post, à semelhança do que foi feito no Quem tem medo do lobo mau? , irei proceder a uma análise de um conto de fadas tradicional, A Bela Adormecida, e transportá-lo para os tempos actuais, interligando-o com uma etapa fulcral do desenvolvimento humano -  
A Adolescência.

O  que é isso da Adolescência? 

A adolescência é, essencialmente, um trabalho de luto. Luto pelo corpo infantil, pela passagem ao corpo adulto, luto pelas relações parentais. A adolescência é o período em que a pessoa começa a ter de tomar decisões de uma forma autónoma (com quem me dou, para onde vou, o que vou fazer, até que horas, etc.). E é à chegada a este ponto de autonomia que ocorre o rasgo das ligações para com as figuras parentais. Daí dizer-se que no período da adolescência estamos perante dois lutos. O primeiro, pelo corpo infantil, onde o adolescente vai abandonando os seus traços corporais da infância e, mergulhando num vasto oceano hormonal, vê o seu corpo a ir mudando em direcção ao climax da adultez; por outro lado, ocorre esse luto para com as futuras parentais, onde o adolescente vai, saudavelmente, marcando a sua posição de auto-suficiência, independência e maturidade.  Todavia, todo este processo coloca em nu integridade psicológica do adolescente, sendo, por isso, a fase do desenvolvimento onde o maior número de perturbações são instaladas, já que o suporte familiar começa a ser, e muito bem!, quebrado.

No período da vida de uma pessoa, podemos destacar dois que são essenciais. Em primeiro lugar, falamos da primeira infância em que a direcção a tomar é a aquisição de competências necessárias para poder, como costumo referir, "cortar o cordão umbilical" com os pais.


A adolescência é o momento em que o indivíduo deve demarcar-se pela sua independência e autonomia. Quando isso não acontece no tempo devido, ou seja, quando se verifica uma adolescência marcada por uma grande dependência da figuras parentais onde não existe uma fractura para uma auto-suficiência psicológica, observamos que, na idade adulta, essas pessoas vivem como se andassem num mundo encantado, onde tudo gira em volta de uma fantasia infantil. São essas pessoas que fazem rupturas maiores, porque tudo aquilo que lhes deveria ter acontecido ao longo da existência não aconteceu. Não deram espaço a elas próprias. Depois acontecem aquelas coisas fantásticas,  pessoas adultas que experimentam mil e uma relações sem qualquer base sólida, como se em busca do príncipe encantado se encontrassem. Verificam-se, assim, adultos mergulhados em amores platónicos por pessoas com quem pessoalmente nunca entraram em contacto (lembram-se das paixões pelos grandes artistas na adolescência? É mais ou menos o mesmo mecanismo). Ou adultos que estávamos habituados a considerar como "certinhos" e fieis ao seu modo de vida saudável, a manifestarem as famosas «crises de meia idade», seja em que espectro for. Isso acontece porque as pessoas fora, de facto, pseudoadultos. A adolescência serve para aprendermos a ser adultos.

São necessária competências psicológicas durante este percurso turbulento a que se chama adolescência. Actualmente, e face a toda esta situação económica, a dependência dos pais no plano financeiro, é algo que é recorrente e cada vez numa idade mais prolongada do tempo. Cenário preocupante é quando verificamos a dependência por completo das figuras parentais, onde a autonomia interna do individuo se encontra comprometida (onde os pais é que impõem as suas opiniões e o sujeito, passivamente, limita-se a recebê-las), aí estamos a um passo de criar muitas "Alices no país das maravilhas"... até o despertador tocar. 

Um adulto (saudável) é aquele que é capaz da intimidade amorosa. E por intimidade não é dizer, vezes sem conta, "amo-te" pelas inúmeras redes sociais com que somos confrontados neste século. Intimidade significa a capacidade de abrirmo-nos ao outro e construirmos uma relação em que, para alem do corpo, se cresce numa relação intima.

Como é que isto pode ser integrado nos Contos de Fada? Este tipo de histórias infantis retratam, habitualmente, todas estas dualidades, estas viragens de sentimentos e comportamentos dos adolescentes. 

Contrariamente ao que foi abordado, por exemplo, na história do Capuchinho Vermelho, a respeito do Princípio do Prazer vs Princípio da Realidade,  no caso da Bela Adormecida esta abarca um período muito sensível no desenvolvimento: a pré-adolescência, a dualidade entre Ser Adulto e Permanecer Criança e mais especificamente para o caso das raparigas, o período que antecede à primeira menstruação...

Continua....

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Um Novo Obrigado!

E assim, com cerca de 8 meses de existência, o Estranho Quotidiano atinge as 10.000 visualizações, com os seus 74 fieis seguidores.


Este post é dedicado a todos vocês, onde aqui registo um eterno obrigado pelas vossas críticas e opiniões que ajudam este espaço a crescer dia após dia.

Sugestões para novos temas serão sempre bem-vindas.


"10 Christmas Carols for 10 Psychological Disorders...." 

1. Schizophrenia
Do You Hear What I Hear?
2. Multiple Personality Disorder
We Three Queens Disoriented Are
3. Amnesia
I Don't Know if I'll be Home for Christmas
4. Narcissistic
Hark the Herald Angels Sing About Me
5. Manic
Deck the Halls and Walls and House and Lawn and Streets and Stores and Office and Town and Cars and Buses and Trucks and Trees and Fire Hydrants and ...
6. Paranoid
Santa Claus is Coming to Get Me
7. Borderline Personality Disorder
Thoughts of Roasting on an Open Fire
8 . Full Personality Disorder
You Better Watch Out, I'm Gonna Cry, I'm Gonna Pout, Maybe I'll tell You Why
9. Obsessive Compulsive Disorder
Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle Bells, Jingle Bells ..
10. Agoraphobia
I Heard the Bells on Christmas Day But Wouldn't Leave My House
11. Senile Dementia
Walking in a Winter Wonderland Miles From My House in My Slippers and Robe
12. Oppositional Defiant Disorder
I Saw Mommy Kissing Santa Claus So I Burned Down the House
13. Social Anxiety Disorder
Have Yourself a Merry Little Christmas while I Sit Here and Hyperventilate.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Depressão vs Melancolia: Algumas Notas


Conceitos como tristeza, depressão, melancolia encontram-se intrincados no seio da nossa comunicação, presentes no dia-a-dia, vulgarmente confundidos ou reduzidos ao mesmo.

A tristeza aparece quando se perde algo ou alguém a que se estava fortemente ligado. Contudo, quando esse algo que se perdeu era já era visto como incerto e apenas mantido por uma crença relacionada a um sentimento de omnipotência, a tristeza é sentida, mas negada a realidade da perda – ou, mais precisamente, negado o sentimento de perda. E assim se instala a depressão. 

A depressão é, assim, a negação do sentimento de perda; está-se triste sem saber porquê.

Quando se perdeu alguém de quem se estava dependente, mas cuja dependência era sentida como uma inferioridade pessoal, da mesma forma a tristeza é sentida, mas negado o sentimento de perda. E, pela mesma razão, se instala um quadro depressivo.

O depressivo é um individuo com uma deficiência na auto-estima (no narcisismo para ser mais correcto). A sua representação e o seu valor próprio é confirmado e avaliado pelos outros, sendo estes o espelho da sua imagem,os que constroem a sua representação e provocam admiração e o dito amor.

Já a depressividade não é idêntica à personalidade depressiva corrente; precisamente, pelos  sintomas comuns da última (quebra de energia, falta de esperança no Outro, no mundo). Pelo contrário, os doentes têm energia, mas é uma energia de esforço. São pessoas com uma forte tendência para idealizar os outros (mergulharem na fantasia narcísica). Sobrevivem da idealização dos outros, idolatrando o ente amado, que adoram e veneram (numa posição submissa e algo penosa). Não esperam, nem obtêm, em significativa medida, a retribuição devida e desejável. Agradecem o simples facto de poderem amar. São felizes fazendo os outros felizes; felizes – à sua maneira, abdicando do desejo próprio que quase ignoram. Vivem, pois, num amor não correspondido. O que, necessariamente, é deprimente. Mas não sentem, não vivem a depressão.

No Eu destas pessoas padece um vazio existencial que necessita de um amor para o seu preenchimento estrutural, estruturado e estruturante. Mas o sujeito, o Eu, ignora essa necessidade; e, consequentemente, não procura satisfazê-la. Como resultado da insatisfação existente mas ignorada, gera-se uma raiva imensa apenas sentida como tensão, desconforto ou irritabilidade – ou nem sequer sentida – e quase sempre não reconhecida, não ligada a eventos, pessoas ou propósitos.

São extremamente inseguros e muito dependentes, embora a dependência seja pouco notada, porque encoberta pelos comportamentos de cuidar dos outros.

Em suma, «o melancólico não sabe o que lhe falta, mas sabe que lhe falta algo (um amor envolvente, sabemo-lo hoje em dia). O pré-depressivo não sabe sequer que lhe falta algo – apenas ficou, quando ficou, a sensação corporal vaga de um mal-estar indefinido.» (Matos, A.C.)

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Tentação dos Deuses: Entre Doces e Gorduras


Com o aproximar da época balnear e com o calor à porta, os temas de esplanada começam a circular em torno de exercício físico, dietas e a construção do corpo «perfeito». Contudo, todas estas etapas têm um obstáculo como denominador comum: resistir aos doces e aos alimentos gordurosos. "Não consigo resistir a um bocado de chocolate"; "Eu bem tento e só começo a comer uma ou duas batatas fritas...mas quando dou por mim já comi um pacote". 
Porque é tão difícil resistir a este tipo de alimentos? 

Apresento-vos, sumariamente, duas hipóteses a terem em conta:

1 – Herança Histórica: Segundo o Evolucionismo, e a própria Psicologia Evolucionista, no meio natural no qual os nossos ancestrais coabitaram, os alimentos disponíveis eram escassos em gorduras ou açúcares (como é fácil de perceber) e os nutrientes eram pouco concentrados nos alimentos disponíveis. Assim, era necessário despender de uma grande porção de tempo e energia na procura de alimentos para suprir as necessidades de gorduras e açúcares. Devido a esta dificuldade, quando estes alimentos eram encontrados e alcançados, ocorria um consumismo em grande massa uma vez que não se poderia prever quando os encontrariam novamente. Para além desses factores, as calorias e as gorduras/açúcares (que acabavam por nunca ser em excesso) eram queimadas devido ao tipo de vida que os nossos ancestrais levavam, ao contrários do sedentarismo presente na sociedade actual (ver televisão com um pacote de batatas fritas ao lado). 

O que se verifica actualmente é que o Homem do Séc XXI continua a enveredar pelo consumo de alimentos gordurosos e açucarados como se esses fossem escassos no meio ambiente e como se exigissem um grande esforço físico. Será, assim, compreensível a taxa de obesidade mórbida que se tem vindo a observar nos últimos anos.

2 – Comportamentalismo: A segunda hipótese explicativa remete para as Teorias Comportamentalistas (assim, neste artigo vou deixar de lado a Psicanálise, baseando-me exclusivamente na teoria comportamental Estímulo-Resposta e da Influência Social de Bandura). 

No que remete para os maus hábitos, a influência social apresenta um grande impacto no nosso estilo de vida e, subsequentemente, nos nosso padrões comportamentais. Pensem em situações em que tentamos deixar de fumar mas num encontro entre colegas, começam a puxar do cigarro e, então, a restrição torna-se difícil ou quando tentamos fazer dieita e um amigo faz anos, e nos presenteia com um banquete suculento de chorar por mais. Mas a componente social não é a única (já não podemos culpar os outros!). Para além deste factor, verifica-se igualmente um reforço positivo de prazer imediato com estes alimentos. Ou seja, ao ingerirmos um chocolate, a estimulação prazerosa é imediata, sendo que a resposta exige pouco esforço, não sendo necessário mastigar algumas vezes para sentir o verdadeiro sabor,  ao contrário de uma ementa vegetariana onde, a nível de estimulação, a maioria dos alimentos necessitam de serem saboreados e digeridos num processo um pouco mais arrastado no tempo para se obter o referido prazer gustativo.

Além disso, o Príncipio do Prazer (ups, lá me deixei ir para a psicanálise) encontra-se visivelmente presente neste tipo de alimentos gordurosos e doces, isto é, a satisfação é imediata e encontra-se sempre garantida – uma tablete de chocolate da marca X terá sempre aquele sabor, será sempre saboreada, será sempre apreciada. Enquanto que uma salada, um peixe grelhado, depende de várias variáveis: qualidade do peixe, como de temperar, modo de grelhar, como é servido. Com os doces, ainda que os caseiros dependam analogamente, do processo de preparação, a estimulação gustativa é maioritariamente instantânea (a grande percentagem de hidratos de carbono, os chamados açucares,  é decomposta logo na boca. Assim se explica o porquê de as pessoas que ingerem doces em grandes quantidades e depois vomitam – como acontece na Bulimia – nunca têm uma aparência de magreza equiparável à Anorexia uma vez que os açucares já foram, de facto, digeridos, na sua grande parte, pelo organismo).

Como conclusão, algo pessimista, refiro que estamos condenados a apreciar com grande satisfação doces ou alimentos gordurosos. Todavia, depois deste artigo, poderão deixar de se culparem a vocês ou aos outros por estragarem a dieta. Culpem os vossos ancestrais e os vosso processos gustativos e neuronais. 

É mais fácil de lidar com isso.

domingo, 17 de abril de 2011

A Inveja, O Ciúme e... o outro.

Diariamente (ou quase diariamente) somos confrontados com notícias de crimes passionais, casos de violência doméstica e/ou violência de namoro. Não vou, de todo, focar-me em nenhum caso específico de agressão, nem proceder a qualquer elaboração de perfil psicológico de vítimas/agressores. Vou, sim, esmiuçar o que se encontra mais intrínseco e entranhado em todos estas situações: a Inveja, o Ciúme e… o outro.

A Inveja pode ser encarada como um sentimento muito primário, arcaico, vivido numa relação binária (a dois). Em termos simplistas, é querer algo que o Outro tem, implicando, igualmente, a destruição daquilo que me falta (incompletude narcísica) – "Eu quero aquilo, quero para mim e quero destruir o Outro". Exemplo prático: “Eu quero O carro que o João tem, quero muito aquele carro ou então que o João tenha um acidente e que parta o carro todo, assim já mais ninguém o tem.” 

É relevante não confundir o conceito de «inveja» com o de «cobiça». A inveja implica a destruição, aniquilação daquela parte da pessoa que Eu não consigo ter, enquanto na cobiça ambiciona-se algo igual ao que o Outro possui mas que não é exactamente o mesmo – “Eu tenho inveja dO carro dO João. Eu cobiço o carro que o João tem, gostava de ter outro igual”. 

No que remete para o Ciúme, tal como refere Melanie Klein, este é um avanço, em termos mentais, extraordinário: envolve a complexidade da mente. Enquanto a inveja envolve partes de pessoas, partir a parte que se quer destruir do objecto, no ciúme envolve a pessoa na sua totalidade, envolve uma triangularidade – desejo de vinculação – e um medo de perder o objecto de amor. Assim, a pessoa combate pela posse total e exclusiva do Outro, sabendo previamente que isso não é possível, pela consciência da existência de um terceiro elemento. Enquanto a inveja é dominada por um sentimento de falta e um desejo de apoderar-se, no ciúme está em causa um sentimento de perda ou ameaça de perda e um desejo de retenção. Num e noutro caso, o amor-próprio é altamente atingido – na inveja sob a forma de ressentimento, no ciúme sob a forma de humilhação.

Depois da Inveja e do Ciúme, é a vez do outro… A Gratidão.

A gratidão pode ser encarada como o pólo oposto da inveja. É, assim, o sentimento que possibilita alcance o lado Bom do Outro – a base das relações amorosas – e avaliar o que há de Bom em nós próprios. Aquele que sente gratidão pelo Outro, reconhece nesse mesmo Outro uma presença que se ausenta em si (o Outro tem algo que lhe falta). Podem pensar que este reconhecimento, esta consciência da minha falta inscrita no outro provocará qualquer tipo de sentimento depressivo no meu Eu. Pelo contrário. O esperado é o reconhecimento dessas mesmas faltas do meu Eu no Outro e tentar apoderá-las, não de uma forma destrutiva como é padrão do invejoso, mas sim como um processo normativo de troca nas relações.
Assim, os sujeitos invejosos, dominados por um Eu em desarmonia e enfraquecido, são «impostos» a procurar novos objectos de amor, uma vez que nenhum deles consegue satisfazer as suas necessidades (as faltas narcísicas) e as suas expectativas.

Em suma, deixo aqui uma fórmula do psiquismo criada por mim como forma de integração da informação exposta.


Explicação (tentando ser simples) - A dualidade integradora Amor(A)-Ódio(O) domina a instância do nosso ego (E). São os nossos dois pólos. Amor/Ódio, Prazer/Realidade, Vida/Morte. Associado ao artigo em questão, passamos para o ponto II. O Ciúme (C) é o denominador da instância maior Amor, uma vez que, como explicado no artigo, os ciumentos têm uma necessidade extrema pela procura de vinculação, com medo de perda de amor objectal. Assim como o Ciúme está para o Amor, a Inveja (I) está para o Ódio (O), com todas as pulsões agressivas características dos sujeitos invejoso - a destruição do objecto parcial ambicionado. Se ficássemos apenas com estes dois pólos, teríamos uma estrutura psíquica deficitária. Ao juntarmos G (Gratidão), juntamos a capacidade de projectarmos as nossas faltas, inseguranças e medos no Outro, onde construiremos, se tudo correr normativamente, uma relação empática com o Outro. Quando este terceiro passo se completa, estamos perante um psiquismo (Símbolo Psi), minimamente organizativo.


quarta-feira, 6 de abril de 2011

Morro sem ti... Vivo sem mim...

Dei por mim a pensar na morte e no significado que ela tem para a nossa vida e mais… a forma como a incorporamos banalmente no nosso sentido. E pensando na morte questionei-me sobre o real sentido de estar a «morrer» sem algo ou sem alguém.

Qual o significado-real da afirmação “Morro sem ti”? «Morrer» sem o Outro, ainda que na esfera simbólica, traduz a presença de um vazio interno esbatido na falta do Outro e um preenchimento do próprio imago quando o Outro se inscreve na nossa essência. Traduzindo… ao assumir a nossa morte sem o Outro, estamos a perpetuar a nossa própria morte como identidade própria uma vez que, nesse caso, encontramo-nos numa relação fusional com alguém onde as identidades se cruzam e se fundam. Se o Outro está, sou completo. Se o Outro não está, sou nada.

Todavia, “Estou a morrer sem ti” é, invariavelmente, uma proposição paradoxal, uma vez que na ausência do Outro a presença da Morte é uma constante-real no âmago da vida. A vida apenas subsiste inscrita no significado da morte onde na ausência da presença desse significado, o signo da vida carece da espontaneidade e da vivacidade que realmente lhe é característico.

Digo, a vida só ganha sentido se esse mesmo sentido tiver consciência da presença da morte, sendo que a morte só nos ganha significado se a vida que levamos tiver para nós um mesmo significado. Já alguém dizia "Vive como se fosse o último dia, pois um dia será mesmo o último."

Concluindo… Não se morre na ausência do Outro, vive-se, sim, com o pesar da nossa falta na ausência do Outro.