sábado, 25 de dezembro de 2010

Redes Sociais e o Falso Self : Uma Reflexão


Antes de qualquer explanação relativa ao conceito de Falso Self (ou Falso Eu), nunca é demais a tentativa de perceber o que se quer dizer, primariamente, com o termo Self/Eu.

Devido à dificuldade do Eu em estudar o próprio Eu, a área do Self foi anteriormente bastante negligenciada, sendo, apenas, em meados do Séc. XX que se começou a investigar sobre esta temática.

O primeiro grande autor, cunhado como um dos Pais da Psicologia, que se debruçou sobre o campo do Self foi William James que procedeu a uma divisão interessante do Eu de cada um: o Eu Conhecedor e o Eu Conhecido. Assim, enquanto o Eu Conhecido diz respeito a pensamentos e crenças que temos acerca de nós próprios (o Self que verdadeiramente nos interessa), o Eu Conhecedor é o processador de informação, ou seja, o que é consciente num determinado momento. 

Mas o que é, afinal, isto do Self? O Self, em traços muito gerais, pode ser entendido como a estrutura cognitiva que permite a cada um de nós pensarmos conscientemente sobre nós próprios. É, assim, o conjunto de pensamentos e sentimentos que temos sobre nós próprios, constituindo-se como a nossa representação mental. Contudo, e para complicar um pouco mais, esta representação mental pode ocorrer tanto ao nível do Real como ao nível do Ideal, isto é, num Self Real somos confrontados com as ideias que temos acerca de nós próprios enquanto num Self Ideal confrontamo-nos com um conjunto de traços e competências auto-desejadas.

Podemos, assim, verificar diversos Self's Possíveis que não representam mais do que ideias dos indivíduos acerca do que eles podem ser, gostariam de ser e receiam vir a ser.

Seguindo a linha do psicanalista inglês Donald Winnicott, para um Self se estruturar dentro dos padrões normativos, é necessário um "ambiente suficientemente bom" que possibilite o desenvolvimento das potencialidades de um Self mais primitivo/arcaico que já se encontra presente desde os primeiros tempos de vida. Quando ocorre uma falha neste desenvolvimento ou neste ambiente potencial, o individuo sente a sua entidade/identidade ser ameaçada, procurando, assim,  substituir a protecção que lhe falta por outra elaborada por ele próprio.

Surge, assim, o conceito de Falso Self para designar uma distorção da personalidade para proteger uma organização através de uma defesa verdadeiro eu.

Posteriormente a esta exposição mais teórica, vários exemplos destas distorções do Self podem ser encontradas apenas a um clique no mundo cibernético.
















Bem-vindos ao século XXI, a um mundo que cresce exponencialmente e se espelha num cenário onde as relações sociais são, rapidamente, substituídas por um ligar de ecrã. Milhares de perfis são diáriamente criados em páginas como Facebook, Hi5, Twitters, e afins, onde somos confrontados, possivelmente, com centenas de Selfs Reais e milhares de Selfs Ideais / Falsos Selfs que não existem mais do que para espoletar uma personalidade retraída e reprimida ou para fomentar uma idealização de alguém que nunca se irá ser.

Quantas são as pessoas com que pessoalmente nos relacionamos e conhecemos, à partida, a sua estrutura de personalidade pautada por exemplo, por uma inibição social, quase que é necessário pedir por favor para sair de casa, pouco à vontade com o Outro, humor instável etc, contudo, em espaço cibernético diversas são as publicações onde transparece a idealização de um indivíduo socialmente afável, bem humorado, com boa capacidade comunicativa onde se espelha um Ego em expansão? Ou o vice-versa.

Para além desta alienação individual, somos presenciados, analogamente, com um cenário onde relacionamentos, nos seus mais diversos níveis, ficam viciados e contaminados por este jogo do Quem-é-Quem (e condicionados pelo poder da Bola de Cristal), onde afectos e pensamentos são (supostamente) despidos e conclusões retiradas que estruturam toda uma linha relacional.

São indiscutíveis as vantagens da utilização destas redes, como a procura de emprego, divulgação de eventos, encontro de velhos amigos e mesmo para  dar asas a um Self Ideal (que em doses moderadas considero que seja adaptativo). Todavia, nunca é demais realçar a importância das relações físicas nos tempos que correm onde o embotamento afectivo começa a reinar neste estranho quotidiano numa teia onde o Ideal e o Real se emaranham patologicamente e onde começa ser impossível discursar sobre vicissitudes da vida numa esplanada de café sem que alguém, subitamente, se levante para ir cuidar da tão aclamada "Quinta".


"A perda de referências, o medo do anonimato e da solidão tornaram-se, para muitos de nós, uma camisa-de-forças que nos impede de construir uma identidade para além das aparências." (Freitas, C.)

2 comentários:

  1. Olá Cláudio. Gostei da sua reflexão. Com efeito, os diversos perfis que são criados nas redes sociais são constituídos analogamente ao modo de estruturação do falso self. Como você bem explicou, o falso self surge como uma identidade artificial produzida com vistas à adaptação do sujeito a um ambiente pouco acolhedor. Ou seja, é uma identidade formada A PARTIR DOS CRITÉRIOS DO AMBIENTE E NÃO DA ESPONTANEIDADE DO INDIVÍDUO. Ora, nas redes sociais assistimos a ocorrência de algo muito parecido. Dificilmente os perfis representam aquilo que seus donos de fato pensam ou sentem. Em geral, as pessoas publicam coisas e compõem suas identidades digitais a partir de atributos que o ambiente, isto é, sua rede de amigos, apreciará.
    Grande abraço!

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  2. Lucas, em primeiro lugar muito obrigado pela sua critica e, principalmente, pela complementaridade de informação!

    Nem mais, daí ser, de certa forma, difícil ocorrer desavenças entre dois indivíduos nas redes sociais uma vez que ambos os perfis foram estruturados para serem apreciados pelo Outro. Ou seja, é-me difícil aborrecer com alguém que não conheço, sendo esse alguém um Outro que não me conhece.

    Abraço e volte sempre!

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