O conto do Capuchinho Vermelho é uma das obras infantis que podem ser retratadas a partir de diversos conceitos psicanalíticos que nos fazem compreender com que principio vamos regendo a nossa vida, isto é, se pelo Princípio do Prazer, se pelo Princípio da Realidade.
Não me alongando em demasia nestes conceitos cunhados por Freud no ano de 1911, o Princípio do Prazer verifica-se a partir do desejo de termos prazer no imediato, no aqui-e-agora. O adiamento da gratificação ainda não se encontra interiorizado e, assim, sente-se necessidade de se ceder para um prazer imediato. Como por vezes este palavreado todo apenas complica, esclarecerei com um exemplo típico do quotidiano: a época dos Saldos:
Imaginem a situação de uma senhora que passeia pelo centro comercial e vê umas calças deslumbrantes com que se apaixona de imediato. Dirige-se a uma das empregadas da loja, questionando "quanto custam este par de calças?" ao que a empregada responde "custam 50 euros mas estarão em saldos para a semana que vem". Diversas são as pessoas que, regendo-se pelo Princípio da Realidade, conseguem adiar a gratificação e comprarão as ditas calças passado uma semana. Contudo, para outras pessoas, esta espera pode ser tortuosa devido à angústia que essa espera comporta, onde dúvidas como "se calhar as calças já não estarão cá / é melhor comprar já antes que alguém as compre" são frequentes. Assim, regendo-se pelo Princípio do Prazer, desembolsam, de imediato os 50 euros.
No conto do Capuchinho Vermelho conseguimos traçar dois cenários possíveis para a protagonista principal quando a mãe lhe pede para ir levar um lanche à sua avó:
A) Percorrer a beleza da floresta, com toda a beleza poética que lhe é característica (pássaros, flores, borboletas, etc), isto é, cedendo ao Princípio do Prazer representado pelo Lobo, que permite uma fuga ao seu lar seguro e confortável:
«Olha como são bonitas as flores à tua roda. Porque não dás uma vista de olhos? Andas com um só propósito e uma tal concentração, como se fosses para escola, enquanto tudo o resto aqui na floresta é tão belo.»
B) Percorrer o caminho referido pela Mãe que representa o Princípio da Realidade, como o mais seguro:
«Caminha com cuidado, não saias da estrada. E quando chegares a casa da avó não te esqueças de lhe dar os bons dias e não comeces a vasculhar por toda a parte»
Como todos conhecem a história do Capuchinho Vermelho, não tenho a necessidade de explicar detalhadamente o desenrolar da história. O Capuchinho Vermelho cede ao Princípio do Prazer, desprezando as figuras Maternas (representadas pela Mãe e pela Avó) constituindo-se, assim, um conflito edipiano: desejo de autonomia / procura de prazer e morte simbólica do progenitor.
Para além destas personagens, surge uma outra que, normalmente, é sempre deixada para segundo plano (sabe-se lá porquê), que é a personagem do Caçador. Comummente é apenas mencionada no final da história com uma breve passagem "e surgiu um caçador que matou o lobo e salvou a pobre menina" bla bla bla.
Contudo, no plano estrutrural da história surge como um marco relevante pois é, juntamente com o Lobo, o constituinte da Figura Masculina que se desdobra, assim, em dois polos:
1- O desejo, a sedução, o prazer, representado pelo Lobo
2 - A responsabilidade, a dureza, o heroísmo paterno representado pelo Caçador
Estes dois pólos representam as duas faces da Figura Paterna: o Herói destemido das crianças que, até uma cerca idade, acreditam que consiga fazer tudo, e por outro lado, a imagem de sedução das meninas mais novas (é curioso ver como algumas se gostam de produzir e maquilhar e desfilar pela sala de estar enquanto o pai observa, ou quando abraçam o pai e dizem que querem casar com ele).
Somos presenciados, assim, com o clássico complexo de édipo feminino onde para a menina a Figura Materna (mãe e avó) são postas de parte pois negam-lhe o prazer, e procuram a sedução do elemento do sexo oposto, do pai, neste caso representado pelo Lobo.
Bruno Bettelheim, psicanalista francês, faz uma nota a respeito da importância da cor – vermelho, como simbolismo das emoções violentas e sexuais, referindo, igualmente, a relevância do diminutivo – capuchinho e não capucho, de modo a reforçar a imaturidade da menina. Ela é pequena demais para lidar com as suas energias emergentes, com as suas tendências «vermelhas». O perigo, para ela, é pois, a sua sexualidade nascente, fonte ambivalente de salvação e ameaça destrutiva. Ela luta dividida entre o sua vontade consciente de fazer o que é seu dever e o desejo inconsciente de triunfar sobre a avó (simbolicamente a Mãe).
A sedução atinge o auge quando a menina se deita na cama com o lobo e, posteriormente, o lobo a engole. É como se o conflito edipiano chegasse ao fim. Depois da rejeição à Figura Materna e entrega ao Princípio do Prazer, o Capuchinho percebe os seus riscos e sai do ventre do Lobo através de um Pai heroico. O Capuchinho Vermelho renasce nesta etapa vital. Já não é a menina que passeia pela floresta emersa na fantasia, entregando-se constantemente ao Princípio do Prazer e de todos os perigos que o comporta, mas já consegue fazer a transposição para o Princípio da Realidade.
Este é um dos mais belos contos infantis que retratam, com todo o simbolismo que é característico, a maturação psíquica na terna infância que poderá condicionar as escolhas futuras num desenvolvimento mais tardio. Contudo, não é invulgar, encontrar sujeitos, neste estranho quotidiano, que ainda permanecem perdidas na floresta encantada, num jogo de sedução seja com elas próprias como para com um Lobo que as impede de alcançar o Princípio da Realidade.