No post anterior, foi explanado como Freud elaborou a sua tese a respeito do conceito de Narcisismo. Contudo, Jacques Lacan, psicanalista francês, penetra no seio psicanalítico com uma tese completamente diferente da teoria freudiana no que concerne à estruturação narcísica (tese essa que nos facilitará a compreensão da personagem de Dorian Gray).
Para este psicanalista francês, o narcisismo não resulta exclusivamente do investimento na auto-imagem de cada um de nós (como defendia Freud), mas depende, igualmente, da construção dessa mesma imagem. Para explicar esta mudança de pensamento, Lacan apresenta-nos uma fase do desenvolvimento infantil denominada o “Estádio do Espelho”, através da qual a criança contempla a relação entre o olhar que lhe foi inicialmente direccionado e a formação da sua auto-imagem como uma identificação.
A criança antes de atingir o “Estádio do Espelho” (que acontece sensivelmente entre os 6 e os 18 meses) não se percepciona como um só corpo, isto é, é como se a realidade externa fizesse parte de si, como se fosse uma extensão do seu próprio corpo.
É, então, entre os 6 e os 18 meses de idade, que a criança se irá percepcionar «magicamente» diante da sua própria imagem que vê no espelho. Inicialmente, a imagem reflectida é a de um ser desconhecido, um ser fastasmático, contudo, gradualmente ela vai perceber que a imagem reflectida é a sua ao constatar que o espelho não passa de uma superfície lisa e, por isso, não pode ser outra criança, acabando por se reconhecer como sendo ela própria.
No estádio do espelho, a criança identifica-se com algo que não é, acreditando ser o que o espelho lhe reflecte, é uma ilusão da qual procurará se aproximar.
Para Lacan, este estádio não se caracteriza apenas como uma etapa de desenvolvimento do ser humano; é uma estrutura, um modelo de vínculo que operará durante toda a vida.
O Espelho de Dorian Gray
"Havia enunciado o louco desejo de conservar-se jovem, enquanto envelhecesse o quadro... Ah! Se a sua beleza não devesse fenecer e fosse permitido ao retrato, pintado nessa tela, carregar o peso das suas paixões, dos seus pecados! A pintura não poderia, pois, ficar assinalada pelas linhas do sofrimento e dúvida enquanto ele conservasse o desabrochar delicado e a beleza da sua adolescência?"
(Oscar Wild em O Retrato de Dorian Gray)
O Retrato de Dorian Gray é um (O) romance do escritor, dramaturgo e poeta irlandês Oscar Wilde (foto à direita), publicado, na sua versão final, em Abril de 1891. É, sem dúvida, a maior obra lançada por Wilde, transformando-se numa peça vitoriana num cenário juvenil em decadência, onde temas como boémia, desejo e homoerotismo são abordados sem tabu. Foram realizadas algumas produções cinematográficas com base na obra, sendo a original do ano de 1945, e a última produção consta o ano de 2009 (trailer no final do post).
Em traços gerais, o livro narra a história de um jovem e belo modelo de pintura , Dorian Gray, que, influenciado pelas palavras hedónicas de Lord Henry, mergulha na consciência da sua aparência física esbelta e única, assim como da limitação da sua aparência ao longo do tempo, vende a sua alma ao diabo, fazendo um pacto, de modo que o seu retrato (feito por Basil Hallward, um pintor, fascinado e obcecado pela beleza de Dorian Gray, que assiste à queda da sua expressão artística após conhecer o jovem modelo) envelheça no lugar dele próprio.
Enquanto isso, Lord Henry inicia Dorian Gray no mundo do Hedonismo, onde a busca do prazer deve ser o objectivo primordial e único de todos os homens; onde as causas, os modos e as formas não têm qualquer importância, perante o objectivo principal. São desprezadas todas e quaisquer formas de moral, uma vez que são contempladas como uma indesejável influência da sociedade sobre os indivíduos.
Com o passar do tempo, Dorian Gray entrega-se, sem pudor, a uma vida rodeada pela boémia, drogas, crimes e sexo, sendo que, no limiar da sua sanidade, o jovem modelo começa a pagar o preço pelas suas escolhas e acções.
Oscar Wilde, a respeito das personagens do livro, referia-se a cada uma delas com a seguinte afirmação: "Basil Hallward é o que eu acho que sou, Lord Henry é o que o mundo pensa que sou e Dorian Gray é o que eu gostaria de ser".
O Retrato de Dorian Gray traça, de certa forma, um paralelismo com a vida de Oscar Wilde, que vê a sua vida a entrar em decadência, acabando na prisão, depois de se envolver numa relação homossexual com o jovem Alfred Douglas (foto à direita), romance que terá contribuido para a escrita de Des Profundis.
Quem é, então, a personagem Dorian Gray?
Como é possível compreender o núcleo hedónico da personagem e os seus comportamentos auto-destrutivos?
Continua...
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