sábado, 22 de janeiro de 2011

Dorian Gray: O Retrato de um Narcísico [Final]


"Não se conformava com a ideia de estar separado do quadro que tinha uma tal ligação com seu viver e sobressaltava-se ao pensar que, longe de si, alguém chegasse a penetrar naquela estância, apesar dos ferrolhos postos à porta."


Introduzi o post anterior com o conceito de Estádio do Espelho de Lacan com o intuito de o transportar para este Romance uma vez que é compreensível o paralelismo entre a personagem de Dorian Gray e a experiência vivida por uma criança no decorrer dessa fase do espelho, ao experimentar, pela primeira vez, a vivência de um corpo unificado. 

Esta experiência é observada nos primórdios da obra. Dorian Gray percepcionou em Basil, o autor do retrato, a personificação do papel de Mãe-Afectuosa que, enquanto pintava libidinosamente a sua bela imagem na tela , ia preenchendo a lacuna narcísica de Dorian com reforços positivos referentes à sua beleza e juventude. 

Deste modo, aquando a finalização do quadro, Dorian viu no retrato (no seu “Espelho”) a imagem de si construída pelo Outro - beleza e juventude - apaixonando-se por ela, à semelhança de Narciso. 

Investindo libidinosamente na sua própria imagem, vinculou-se a essa representação de si como ideal perfeito e belo, entregando a sua alma ao Diabo por um desejo de que o retrato agonizasse, ao invés dele, com o pesar do tempo. Desta forma, livrou-se da perda, da responsabilidade, (aquilo a que os psicanalistas denominam de Castração) deslocando as suas angústias para seu outro Eu (Retrato), que iria servir de Espelho à sua alma. Dorian procedeu, deste modo, a uma clivagem de si, entre o Bom e o Mau do seu Eu (aquilo a que a psicanalista Melanie Klein denominava  de Posicão Esquizoparanóide do sujeito, onde o indíviduo apresenta uma classificação dicotómica da realidade: isto ou é bom ou é mau). 

Dorian Gray foi manifestando aquilo que muitos psicanalistas denominam de Relações Objectais Narcísicas, isto é, relações com o Outro com o objectivo desse mesmo Outro preencher a falha narcísica que se encontra presente no sujeito. 

Por outras palavras, a personagem de Dorian Gray, apesar de envolvida em todo o cenário libidinal ao longo do livro/filme, não se interesa por qualquer pessoa. Ele apenas deseja aquilo que o faz sentir desejado. 

Procura nas mulheres uma forma de amar e nos homens uma forma de se amar (ou seja, neste caso o desejo homossexual espelha-se no amor pela auto-imagem, escolhendo como objecto sexual alguém do mesmo sexo).   

Mergulha no dandismo e na luxúria  fazendo um parelelismo entre o ideal de perfeição do Eu com a vivência da realidade externa pautada por dinheiro e intelecto (conseguimos facilmente pensar em pessoas narcísicas que passam a maior parte do tempo a falar de obras de arte, a exibir roupas de marca e a transpor para o Outro a enorme cultura que apresentam, afirmando-se como seres superiores).
                                                                   
Com o decorrer do tempo, a imagem de Dorian vai ficando cada vez mais no limbo entre a Realidade e o Retrato, a Alma e o Espelho, sentindo-se preso pela clivagem que constrói como forma de vida. O quadro que reflectia a sua beleza e juventude, agora espelha a sua alma. Dorian Gray chega a uma fase denominada Posição Depressiva (pela psicanalista Melanie Klein) onde o sujeito reconhece que o Amor e o Ódio pode ser direccionado à mesma pessoa, que um mesmo indivíduo tem tanto características Boas como Más. Ou seja, Dorian Gray reconhece-se como corpo unificado e reconhece o Outro como indiferenciado de si, não estando vinculado à sua realidade narcísica nem sendo obrigado a satisfazer as suas necessidades libidinais.















Mergulhando em colapso psíquico, Dorian ao ter consciência de tudo o que fez, decide pôr término à sua vida, esfaqueando a sua alma (o Retrato, o Objecto Mau), falecendo de imediato.

Esta morte simbólica pode ser presenciada numa conversa corriqueira com um sujeito narcísico, quando, num momento de auto-valorização, obtém indiferença por parte do Outro ou, mais ainda, compreensão e empatia pelo seu sofrimento interno.  

Termino, assim, esta série de 3 posts em torno do conceito de Narcisismo com um paralelismo à personagem Dorian Gray do irlandês Oscar Wilde. 

3 comentários:

  1. Olá Cláudio! Penso que você acertou em cheio ao caracterizar a "primeira fase" de Dorian Gray como análoga à posição esquizo-paranóide e a segunda como análoga à posição depressiva. De fato, o bebê faz uso da clivagem para se defender da angústia de saber que porta em si elementos destrutivos. O envelhecimento pode ser tomado como um desses elementos e, nesse sentido, a projeção do envelhecimento é efetivamente uma defesa esquizóide. Talvez falte no caso de Dorian o aspecto paranóide que, no caso, talvez se personificaria através de um medo ou mesmo fobia do espelho. Ainda não li a história, de modo que talvez seja possível encontrar elementos a esse respeito.

    Quanto à posição depressiva, ela recebe esse nome justamente pelo afeto que caracteriza essa tomada de consciência pelo bebê de que tanto ele como a mãe portam elementos bons e maus. Ele se sente deprimido ao se lembrar de que por ter projetado a maldade no Outro ele se defendeu atacando-o. No caso de Dorian, isso se expressa exatamente como você descreveu: através do suicídio. Isso porque não foi possível a ele realizar um ATO DE REPARAÇÃO através do qual ele poderia se perdoar.

    MAIS UMA VEZ: MEUS PARABÉNS. FOI UMA SÉRIE BRILHANTE E INSPIRADORA DE POSTS!

    GRANDE ABRAÇO!

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  2. Lucas,

    Antes de mais, agradeço o reforço e a crítica construtiva feita.

    Relativamente à defesa paranóide, foi falha minha mas é isso mesmo: a fobia perante o espelho. O espelho, representa, assim, a percepção da sua alma (tal como o corpo unificado para a criança) que irá contribuir para a tal posição depressiva que Dorian tanto teme (e que acaba por não conseguir lidar, falhando no acto de reparação que você bem referiu, terminando no suicídio).

    Recomendo a leitura deste romance a qualquer um. É, sem sombra de dúvida, uma obra de arte onde podemos encontrar todo um material psíquico distinto e rico em cada uma das personagens!

    Um grande abraço e obrigado pela opinião!

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  3. Eu é que agradeço como leitor pelos três posts, Cláudio.

    Dorian Gray será minha primeira leitura não técnica do ano! Valeu pela dica!

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