terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Dorian Gray: O Retrato de um Narcísico [Parte 1]

O conceito de Narcisista / Narcísico, em termos do quotidiano, representa, genericamente, um indivíduo com um grande amor pelo seu Eu, desvalorizando, maioritariamente, os feitos do Outro. É comummente denominado de “convencido”, “arrogante” e “insensível.”.

No seio da psicanálise, o Narcisismo é espelhado num modo particular de relação com a nossa sexualidade (nota: em psicanálise, nomeadamente a freudiana, o conceito de sexualidade vai mais além das relações sexuais, englobando, igualmente, afecto, carinho, auto-estima, etc.), traduzindo-se num guardião da saúde mental de cada um de nós (todo o psiquismo saudável necessita de doses moderadas de auto-amor) e num integrador da própria imagem corporal.

Sigmund Freud investiu significativamente neste conceito no ano de 1914 com um artigo denominado “Sobre o narcisismo: uma introdução”, onde discutiu algumas das implicações teóricas deste tipo de estrutura de personalidade assim como características clínicas que em torno da conduta humana caracterizadas por dois traços principais: o desinteresse pelo Outro e uma imagem de si grandiosa.

A partir desta contribuição de Freud, o narcisismo passou, então, a ocupar um lugar essencial na teoria do desenvolvimento sexual do Homem. Freud propôs que o narcisismo incluía um grande amor pelo próprio Eu e auto-engrandecimento, como tentativas de satisfazer necessidades infantis. Teorizou, assim,  que todas as pessoas atravessavam uma fase normal de narcisismo infantil, e acreditava que o estudo do narcisismo patológico poderia ajudar a compreender a psicodinâmica do narcisismo em indivíduos normais.

Freud foi mais longe e diferenciou essencialmente dois tipos de narcisismo: o primário, desenvolvido na primeira infância, e o secundário. No Narcisimo Primário, Freud postula que, originalmente, na criança, o afecto não se encontra exclusivamente virada para o Outro, como o pai ou a mãe, ou seja, a criança tem igualmente o seu Eu como objecto de amor.

No artigo acima referido sobre o Narcisismo, Freud refere a importância dos pais na construção do narcisismo primário dos filhos. Freud defende que o amor que um pai transmite a um filho não passa do seu  próprio narcisismo reacendido e deslocado para a criança (os leitores devem-se recordar da grande máxima  que se ainda encontra presente nos nossos dias de "Para gostar do Outro, tenho de gostar de mim primeiro"). Assim, no narcisismo primário a criança ainda não distingue o mundo externo do mundo interno, tudo é Bebé, tudo é Ele, tudo para Ele. 

No caso do Narcisismo Secundário este já é entendido com uma estrutura permanente do sujeito. Ou seja, quando a criança já apresenta a capacidade de diferenciar o Interno do Externo (o que pertence exclusivamente à criança e o que pertence à realidade externa), ela é capaz, similarmente, de identificar as suas necessidades e quem é que detém do poder de as satisfazer (normalmente é a mãe que é presenteada com este papel). Contudo, no decorrer do desenvolvimento, a criança vai integrar a partir de várias inferências (o papel do pai como marido da mãe, o emprego dos pais que lhe rouba tempo, etc.) que a mãe não pode estar constantemente a satisfazer as suas necessidades. Eis que somos confrontados com a primeira ferida narcísica primária de cada um de nós.











O próximo passo, é, assim, captar o Outro, deslocar os nossos afectos para o mundo externo e receber feedback afectivo.

Todavia, isso apenas poderá acontecer se a criança tiver integrada a ideia que nem sempre poderá ter as suas necessidades atendidas e que ela não é e nem será sempre o centro das atenções por parte do Outro. Caso isto falhe, permanece, então, o Narcisismo Secundário onde existe uma regressão por parte do sujeito ao narcisismo primário para obter, novamente, toda a atenção e amor.

Engane-se quem pense que os típicos narcísicos (que conhecemos diariamente por serem convencidos e por se auto-intitularem de Grandes e Conhecedores) não sofrem no seu mundo Interno uma vez que procuram constantemente amor e aprovação por parte do Outro vangloriando-se em demasia (eu sou o mais bonito, o mais inteligente, o mais rico, etc.). Contudo, uma vez que isto, maioritariamente falha, como defesa é típico dos narcisista atribuir a culpa ao Outro para não integrar mais sofrimento no seu psiquismo (ele é burro, não preciso dele... sou mais rico que ele, a opinião dele não me interessa). Ou seja, há uma tendência para o narcisista diminuir o Outro para se colocarem ao mesmo nível. Por exemplo, imagine-se que um Narcisista auto-avalia-se numa escala de 0 a 10 com um 3 e se entra numa discussão com alguém que vale 8. A estratégia a ser utilizada é, então, rebaixar o 8 até que se chegue mais próximo do 3 uma vez que, por mais que o narcísico se gabe, dificilmente aumentará o seu 3.

Assim, ser apaixonado por si mesmo (ou ter a necessidade de se apaixonar por si mesmo), é definido por narcisismo (secundário), termo que surgiu segundo o mito grego do jovem Narciso que Ovídeo imortalizou:

"Narciso era um belo rapaz, filho do Deus  Céfiso e da ninfa Liríope. Por ocasião do seu nascimento, os seus pais consultaram o oráculo Tirésias para saber qual seria o destino do menino. A resposta foi que ele teria uma longa vida, caso nunca visse a própria face.
Muitas raparigas e ninfas apaixonaram-se por Narciso quando ele atingiu a idade adulta. Porém, o belo jovem não se interessava por nenhuma delas. A ninfa Eco, uma das mais apaixonadas, não se conformou com a indiferença de Narciso e afastou-se amargurada para um lugar deserto onde definhou até que somente restaram dela os gemidos. As raparigas desprezadas pediram aos deuses vingança.
Nêmesis apiedou-se delas e induziu Narciso, depois de uma caçada num dia muito quente, a debruçar-se numa fonte para beber água. Descuidando-se de tudo o mais, ele permaneceu imóvel na contemplação ininterrupta de sua bela face reflectida e assim morreu desgostoso com a impossibilidade de consumir a sua paixão. O mandato cumpriu-se e ele não conseguiu jamais alcançar a união amorosa com o objecto pelo qual se apaixonou. Ali ficou até sua morte e, quando procuraram seu corpo, encontraram apenas uma flor amarela, solitária e estéril - Narciso"

(Continua....)

2 comentários:

  1. Muito relevante o que você ressaltou a respeito da economia psíquica de uma personalidade narcísica, Cláudio: o narcisista é um inseguro disfarçado. Ele precisa se engrandecer compulsivamente frente ao outro para não se lembrar de que, no fundo, se considera um incapaz.

    Outra consequência da passagem do narcisismo primário para o secundário é o surgimento de uma nova instância psíquica: o "eu ideal" que é composto justamente das características que o sujeito julga ter que possuir para receber novamente o amor que nele fora depositado quando bebê.

    Grande abraço! Estou curioso pela continuação.

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  2. Interessante essa informação que adicionaste. Faz um paralelismo ao meu artigo anterior do Falso Self e do Self Ideal onde o sujeito cria uma imagem, uma estrutura, que espera ser aceite pelo outro. Agradeço a observação!

    Abraço!

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