domingo, 21 de novembro de 2010

À conversa com Édipo: O Complexo em Humanês

Um dos conceitos introduzidos por Sigmund Freud no seio da sua teoria Psicossexual do Desenvolvimento Humano que mais suscitou polémica entre os leitores foi, de facto, o Complexo de Édipo.

Ora por culpa do próprio S. Freud por não apostar numa explicação mais clara deste conceito ora por culpa dos leitores não lerem as entrelinhas, este termo ficou sempre à quem nas suas explicações e na sua demonstração prática.

Com este post desejo contribuir para uma melhor assimilação do que se trata o mais famoso Complexo da teoria psicanalitica, utilizando linguagem corrente para um melhor entendimento. Todavia, antes de explorar o termo na sua concepção prática, coloco aqui o Mito que deu origem ao Complexo:

O mito
“Laio, rei da cidade de Tebas e casado com Jocasta, foi advertido pelo oráculo de que não poderia gerar filhos e, se esse mandamento fosse desobedecido, o mesmo seria morto pelo próprio filho, que se casaria com a mãe.
O rei de Tebas não acreditou e teve um filho com Jocasta. Depois arrependeu-se do que havia feito e abandonou a criança numa montanha com os tornozelos furados para que ela morresse. A ferida que ficou no pé do menino é que deu origem ao nome Édipo, que significa pés inchados. O menino não morreu e foi encontrado por alguns pastores, que o levaram a Polibo, o rei de Corinto, este que o criou como filho legítimo. Quando ficou a saber que era filho adoptivo, Édipo foi até ao oráculo de Delfos para saber o seu destino. O oráculo disse que o seu destino era matar o pai e casar com a própria mãe. Espantado, ele deixou Corinto e foi em direcção a Tebas. No meio do caminho, encontrou Laio que pediu para que ele abrisse caminho para passar. Édipo não atendeu ao pedido do rei e lutou com ele até o matar.

Sem saber que havia matado o próprio pai, Édipo prosseguiu a sua viagem para Tebas.

O povo de Tebas saudou Édipo como seu novo rei, e entregou-lhe Jocasta como esposa. A verdade foi esclarecida (Édipo casara-se com a sua mãe), Édipo cegou-se e Jocasta enforcou-se.”

Do mito ao complexo

Sigmund Freud transpôs este mito para um fenómeno presente numa fase do desenvolvimento infantil que decorre entre os 3 e os 5 anos de idade (denominada Fase Fálica) onde, segundo o autor, a criança desenvolve sentimentos amorosos e hostis face aos seus pais. Na sua forma positiva, verifica-se que o filho experiencia desejos amorosos pela sua mãe e sentimentos de ódio pelo seu pai (na filha verifica-se o inverso, desejos amorosos pelo pai e sentimento hostil pela mãe), e na sua forma negativa verifica-se que a criança manifesta raiva pelo sexo oposto e o dito amor pela figura parental do mesmo sexo.

O complexo de édipo em humanês
Deixando de lado conceitos psicanalíticos, o complexo de édipo, em termos práticos, traduz-se, essencialmente, através de uma triangulação (Criança-Pai-Mãe) que, inicialmente, não é mais do que uma relação dual (Criança-Mãe).
Nos primeiros dois/três anos de vida do bebé, em termos gerais, o conforto, suporte e protecção é estabelecido de uma forma mais vincada pela mãe. Começando pela gravidez, seguido pelo período de amamentação e do contacto físico mais presente nos anos que se seguem, a mãe apresenta-se como a figura de destaque para a vida do bebé (relação dual mãe-bebé).
Por volta dos 3 anos de idade, a criança começa a integrar num mundo de regras e proibições (incentivada a deixar a chupeta, os castigos começam a surgir e os limites começam a fazer parte da vida da própria criança). Ou seja, esta fase edipiana é, essencialmente, uma fase de diferenciação em que a criança percebe que existe um mundo cultural e de regras nunca antes percebido e que os próprios pais pertencem a essa cultura, onde toda a atenção antes dada (conceito de narcisismo primário – Sua Majestade, o Bebé) já não será possível. Nesta fase a relação dual Mãe-Bebé é afectada por um novo membro, o Pai, estabelecendo-se, assim a triangulação Mãe-Pai-Bebé.
O pai apresenta, nesta fase, dois papeis de destaque: figura de autoridade, que impõe regras e limites e que promove a diferenciação da criança do seu mundo, assim como o papel de figura masculina (promovendo uma identificação com o filho e uma atracção por parte da filha, estabelecendo, para esta, um novo modelo de “paixão”). Nesta idade é comum ouvirmos os filhos a dizerem, por exemplo, “quero casar com a minha mãe”.
Ora, estas palavras não podem ser interpretadas com os nossos conceitos nem com a nossa percepção de adultos e sim com  o mundo infantil. Por exemplo, o ciúme que o filho sente ao ver o pai com a mãe, prende-se, apenas, pelo facto de a atenção da mãe ter sido, anteriormente, percepcionada para ele como uma totalidade na relação dual Mãe-Filho.
Assim nesta fase, num panorama psicanalítico, ocorre os primeiros desenvolvimentos da sexualidade, onde a criança se identifica com a figura do mesmo sexo, alimentando uma atracção pela figura do sexo oposto (génese da heterossexualidade).
Salienta-se, mais uma vez, que o conceito de sexualidade infantil (relacionado mais com a obtenção de carinho, prazer) não pode ser equiparado ao conceito de sexualidade adulta (muitas vezes associado unicamente ao acto sexual).

A não resolução do complexo
Foi apresentado o modo como ocorre a vertente positiva do complexo de édipo: identificação com o progenitor do mesmo sexo, marcada pela rivalidade e competição pela a atenção do membro do sexo oposto. Depois dos 5 anos, quando termina o complexo de édipo, dá-se a entrada para a escola o que facilita o desapego em relação à mãe e as interiorizações de regras e à nova fase do desenvolvimento: fase escolar e de socialização com o grupo de amigos.
Mas o que acontece se esta fase não for devidamente ultrapassada, ou seja, se ocorrer a vertente negativa: identificação com o membro do sexo oposto e desejo pelo membro do mesmo sexo?
Diversas são as pessoas que poderão ficar fixadas neste período edipiano, possivelmente por falta de autonomia oferecida pelas figuras parentais (com maior destaque pela figura materna).
Desta forma podemos observar, por exemplo, indivíduos do sexo masculino completamente submissos e imaturos, outros que procuram companheiras com imagem semelhante à sua própria mãe (veja-se o exemplo do famoso serial killer Ed Gein) ou ainda outros indivíduos que manifestam comportamentos efeminados uma vez que a hostilidade do pai e a super-protecção da mãe poderiam promover a identificação com o membro do sexo oposto (neste caso, com a figura materna) . No caso das raparigas com complexo de édipo invertido encontram-se presentes sintomas de ansiedade, grandes ligações com a figura materna traduzindo-se em falta de autonomia e, nalguns casos, depressão.

Do século XIX ao século XXI
Actualmente pode-se considerar que o complexo de édipo não é um fenómeno universal, atendendo que cada vez mais ambas as figuras parentais dispõem atenção, carinho e afecto de igual modo, e nalguns casos o pai até pode desempenhar um papel de maior destaque no cuidado dos filhos do que a própria mãe.
Todavia este fenómeno edipiano ainda se pode verificar em muitas situações, principalmente em contexto de consulta psicológica. Mães que não deixam os filhos crescerem ou pais demasiado autoritários podem vincar esta etapa fulcral no desenvolvimento infantil.

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