domingo, 30 de janeiro de 2011

Dear Mr. Gacy: Autópsia de um Serial Killer

Há uns tempos vi um filme bastante interessante baseado em factos reais que retrata a relação entre Jonh  Wayne Gacy (um dos mais famosos Serial Killers dos EUA) com Jason Moss, um estudante obcecado pela vida de Gacy: Dear Mr. Gacy. Deixo o trailer no final do post para os curiosos.
Posteriormente ao visionamento do filme, surgiu-me a ideia de escrever algo a respeito deste assassino, começando por traçar o seu percurso biográfico e, em seguida, por tentar perceber alguns acontecimentos de vida que considero significativos.
Para este artigo recomendo a (re)leitura do post acerca do Complexo de Édipo.


Notas Biográficas

"John Wayne Gacy Jr., também conhecido por O Palhaço Assassino ou Pogo, nasceu a 17 de Março do ano de 1942 em Chicago. Filho de pai alcoólico, teve uma infância traumática , sendo frequentemente espancado e alcunhado de “maricas” pelo próprio pai. Quanto à sua relação com a sua mãe, esta era bastante próxima com alguns traços de identificação.
Casou em 1964 e nesse mesmo ano teve a sua primeira experiência homossexual enquanto a sua mulher estava no trabalho com o seu filho Michael.

Anos mais tarde, Gacy recusaria ser homossexual, conformando-se que era bissexual. O seu casamento chegou ao fim quando, no ano de 1968, Gacy foi preso e condenado por ter sido encontrado a praticar actos sexuais com um jovem na casa-de-banho de um bar.

Os homicídios começaram em Janeiro do ano de 1972 com a vítima Timothy McCoy, um rapaz de 18 anos. As suas vítimas foram sempre do sexo masculino, jovens de preferência, novos e musculados. Com uma tendência denotada para a pedofilia, tinha um desprezo particular por homossexuais, mas, também, por políticos. Persuadia as vítimas a acompanhá-lo até à sua casa com promessas de emprego, onde, depois, as embebedava ou convidava para a demonstração de algum truque, dada a sua habilidade como palhaço amador. Porém, após amarradas à cadeira, as vítimas já não se soltavam. Gacy apreciava a leitura da bíblia enquanto decorriam as violações e estrangulava vagarosamente, estilo garrote, altura em que também se vestia de palhaço. A sua “assinatura” passava por enfiar na boca ou na garganta das vítimas as suas próprias roupas interiores, para lhes abafar os gritos.

As suspeitas nunca caíram sobre Gacy até ao dia 12 de Dezembro de 1978quando estava a ser investigado a respeito do desaparecimento de Robert Piest, um rapaz de 15 anos, que fora visto a ultima vez com Gacy e quando um vizinho alertou a policia, estranhando os cheiros nauseabundos que escapavam do número 8213 da West Summerdale Avenue. Gacy explicou que era, apenas, “um entupimento nos canos de esgoto”. Mas, mesmo assim, a polícia decidiu investigar. No porão, sob um alçapão oculto, foram encontrados na fossa sanitária – que Gacy tinha mandado construir particularmente grande – os restos de vinte e nove corpos de jovens entre os nove e os vinte e sete anos de idade, denotando sinais de tortura, violências sexuais e estrangulamento.


Na tentativa de explicar o seu comportamento, Gacy declarou que havia quatro John’s: o empreiteiro, o palhaço, o político e o assassino, sendo que este ultimo o possuía em certas alturas, como se fosse um “mau eu”, e era ele que cometia os crimes.

Todos os sete psiquiatras que o examinaram concordaram que ele era inconsciente e contraditório, mas, nenhum diagnosticou múltiplas personalidades, tendo sido considerado competente para ser julgado.

Em 1980 foi condenado pelos seus 33 homicídios confirmados a 21 prisões perpétuas e 12 penas de morte. No dia 10 de Maio de 1994 foi executado na cadeira eléctrica. Durante os 14 anos que teve preso teve mais de 400 visitas e recebeu mais de 27 mil cartas. Aproveitou para se divorciar, tentou o suicídio e dedicou-se à pintura."



Autopsia de um Serial Killer

Através do seu relato biográfico conseguimos perceber que a infância, desde a mais tenra idade, de John Wayne Gacy foi severamente marcada por violência, seja ela psicológica ou física, por parte da sua figura paterna.

Como foi explicado no artigo referente ao Complexo de Édipo, é nos primeiros anos de vida, mais especificamente entre os 3 a 5 (embora as idades sejam variáveis de sujeito para sujeito) que cada um de nós vai integrando as regras e os limites da realidade externa através do Pai (em psicanálise Pai ou Mãe poderá não corresponder ao progenitor e sim ao sujeito que para a criança representa esse determinado papel, ou seja, a Mãe pode ser a tia e o Pai um vizinho), sendo que no final desse conflito edipiano na triangulação mãe-bebé-pai, o rapaz (neste caso específico), irá identificar-se com o progenitor do mesmo sexo (o pai) e escolher como objecto de amor a sua referência (a mãe), procurando, assim, noutra mulher o amor que o seu pai procura na sua mãe. 

No historial de Gacy percebe-se, numa primeira análise, duas falhas neste processo:

1 – Na interiorização de regras e limites onde não houve propriamente um Pai na vida de Gacy que lhe permitisse distinguir o certo do errado, havendo apenas um sujeito que lhe mostrava que a base da educação era a agressividade e a humilhação.

2- Processo de identificação com o Pai falhou, sendo o próprio Gacy a referir a Mãe como modelo identificatório podendo, ou não, ser uma possível génese da escolha do objecto homossexual para Gacy, ou seja, existe uma fixação tão grande na mãe que impossibilita o deslocamento do afecto para outra mulher. Esta fixação pela mãe joga em paralelismo com o medo pelo pai que iria contribuir para um desvio da escolha do objecto heterossexual, seguido pelo pai, e assim evitar seguir o seu modelo paterno.

Todavia, Gacy, numa primeira fase renuncia por completo a sua homossexualidade, uma vez que ao conformar-se com esta orientação sexual estaria, por hipótese, a subjugar-se aos repreendimentos do Pai (quando este lhe chamava maricas por diversas ocasiões). Atenua este seu lado, afirmando-se como bissexual, utilizando diversos mecanismos de defesa do ego (ver artigo Mecanismos de Defesa) como forma de preservar a sua estrutura mental, tais como a repressão / recalcamento do desejo homossexual assim como deslocamento da sua angústia e cólera contra indivíduos homossexuais (deslocamento este associado à génese dos seus crimes).

Gacy manifestava um padrão consistente no que respeitava à escolha das suas vítimas, que assentava em dois pontos de referência: indivíduos do sexo masculino assim como fisicamente atraentes. A explicação de tal conduta poderá residir, tal como fora anteriormente mencionado, na expressão do seu subconsciente do ódio que sentia por si mesmo, devido à sua homossexualidade, adoptando toda uma projecção de sentimentos contra aqueles que se moldavam à sua imagem, espelhando, por assim dizer, todos os seus conflitos.

Um outro aspecto relevante de se salientar nos actos de Gacy é o facto de que este, aquando as violações das suas vítimas, apresentava uma apetência peculiar pela leitura da bíblia. Com este padrão comportamental, possivelmente, Gacy tentaria a via da desculpabilização e do perdão pelos seus actos e impulsos que não conseguia controlar, subjugando-se a Deus (Deus que, se pensarmos, representa a Imagem Suprema do Homem, a Entidade Absoluta, o Agente Autoritário Que Faz As Regras, ou seja, o Pai para a criança na fase edipiana).  

Foram estes os elementos principais que me chamaram à atenção na história de vida de John Wayne Gacy que, a meu ver, mereciam um pouco de reflexão pois considero que acabam por ser semelhantes a muitas vidas de muitos serial killers
Deixo, então, o trailer do filme que recomendo a quem se interessa por este tipo de crimes e por tentar perceber o funcionamento psíquicos destes indivíduos.

Futuramente, irão chegar mais Autopsias... 



4 comentários:

  1. Artigo muito interessante e coerente. Parabéns!

    Ficou-me uma dúvida a respeito desse complexo de édipo. Tem de haver sempre um pai para haver o complexo? Estou-me a lembrar por exemplo das famílias monoparentais onde apenas a mãe cuida do filho.

    Grata

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  2. Sara,
    Agradeço a opinião e a dúvida que colocou é bastante pertinente.

    De facto, como disse no artigo, o Pai não tem necessariamente de ser o pai e sim alguém que desempenha o papel de figura paterna no sentido que põe limites na relação dual mãe-filho.

    Freud pecou em parte nesse aspecto uma vez que no complexo de édipo que formalizou se cingiu unicamente à triangulação de mãe-pai-bebé, contudo temos de ter em conta a altura em que a teoria foi formalizada e, realmente, no século XIX/XX fazia todo o sentido falarmos de famílias com tal composição familiar.

    Jacques Lacan, psicanalista francês já aqui citado no blog, é que foi mais além nessa questão edipiana e para ele não era necessária a presença de um pai mas sim de um Pai (ou como ele denominou, o Nome Do Pai), ou seja, alguém ou algo que impossibilita a relação de afecto mãe-filho. Nas famílias monoparentais, por exemplo, a função de Pai tanto pode ser um vizinho como o próprio emprego da mãe que rouba tempo e espaço à criança na sua relação com a mãe, tomando ela consciência que existe uma realidade externa a ela e que a mãe tem de atender a outras necessidades também.

    Basicamente, no complexo de édipo há um Desejador, um Desejado e um Proibidor. Este tipo de conflitos aparecem bastante nas relações amorosas onde por mais que uma pessoa goste da outra, há algo que as impede de ficarem juntas. Esse algo não é o pai, mas sim o Pai.

    Espero ter esclarecido a questão sem ter sido muito confuso :)

    Cumprimentos

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  3. Olá Cláudio! Realmente bastante interessante a história de Mr. Gacy e pertinentes os seus comentários sobre a psicologia do personagem! De fato, a vivência do Édipo, no caso dele, parece ter sido consideravelmente influente nos seus comportamentos posteriores.
    Uma questão que também é intrigante nessa história é a escolha de Gacy pelo palhaço como personagem e como elemento de seus rituais de execução. À primeira vista, me parecem existir muitos aspectos de perversão nesses rituais, como o fato de ele tapar a boca de suas vítimas com suas roupas íntimas.
    É um caso deveras complexo...
    PARABÉNS MAIS UMA VEZ!

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  4. Caro Lucas, agradeço o comentário.
    Aliás, você acabou por contribuir em parte para este artigo uma vez que me ajudou a clarificar algumas noções naquela nossa discussão sobre o complexo de édipo entre Freud e Lacan!

    Quanto ao Gacy, sem dúvida que ele era um perverso e só lamento não ter mais dados biográficos acerca dele para poder perceber melhor esta mente psicopatizada. São estes casos que nos dão realmente que pensar :)

    Um Abraço!

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